Jogo patológico: quando o entretenimento vira risco para a saúde mental e para as famílias
- Lorrane Cristine
- 18 de abr.
- 2 min de leitura

Nos últimos anos, tenho observado com preocupação o aumento expressivo de pacientes que me procuram após perderem o controle com jogos de aposta — sejam eles cassinos online, sites de "bet", roletas, jogos de futebol com promessas de retorno fácil, ou até mesmo aplicativos aparentemente inofensivos que oferecem recompensas em dinheiro.
Como psiquiatra, não posso deixar de fazer um alerta: o jogo patológico, ou transtorno do jogo, é uma condição real, séria, e infelizmente em crescimento. Trata-se de um transtorno do controle de impulsos que pode afetar pessoas de diferentes perfis, faixas etárias e classes sociais — inclusive indivíduos que até pouco tempo tinham uma vida financeira e emocional equilibrada.
A ilusão do "dinheiro fácil", somada ao apelo das plataformas digitais — que hoje funcionam 24 horas por dia no bolso de qualquer um — cria um terreno fértil para o desenvolvimento do vício. Diferente do uso de substâncias químicas, o vício em jogos é silencioso e muitas vezes invisível para a família e amigos. Mas suas consequências são devastadoras: dívidas impagáveis, desgaste emocional, conflitos familiares, perda de produtividade no trabalho e até mesmo pensamentos suicidas.
Uma pergunta curiosa que recebo é: “O jogo compulsivo acontece só em quem já tem alguma doença mental? A resposta não é tão simples. Sim, pessoas com histórico de transtornos mentais — como transtorno bipolar, TDAH, depressão ou ansiedade — têm maior risco de desenvolver comportamentos aditivos, incluindo o jogo. Mas a verdade é que o vício em jogos pode se instalar em qualquer pessoa, especialmente quando há exposição contínua, ausência de limites, reforço intermitente (ganhar uma vez para tentar recuperar depois) e fatores emocionais como estresse ou frustração.
Pesquisas recentes têm mostrado que o cérebro de uma pessoa que aposta compulsivamente reage de forma muito semelhante ao de alguém com dependência química. Áreas envolvidas no sistema de recompensa, como o núcleo accumbens, são ativadas intensamente, criando um circuito de prazer-descontrole-culpa que se retroalimenta. Infelizmente preciso ser firme e dizer ao paciente que vou tratá-lo como trato a outros "viciados", e há muita negação no começo.
O mais grave é que muitos desses jogos são desenhados justamente para viciar: para manter o jogador engajado e iludido com a possibilidade de um ganho que raramente virá. Esse modelo de negócios, ao ser direcionado para o público jovem, para trabalhadores sobrecarregados ou para pessoas emocionalmente vulneráveis, é eticamente questionável — e perigoso.
Como especialista em saúde mental, acredito que precisamos urgentemente trazer esse tema para o debate público, sem tabu ou julgamento moral. É necessário falar sobre os sinais de alerta: prometer parar e não conseguir, apostar mais do que pode perder, esconder dívidas ou comportamentos, jogar para aliviar sentimentos negativos, negligenciar responsabilidades. Se você ou alguém próximo está vivendo isso, procure ajuda. O tratamento envolve acompanhamento psiquiátrico, psicoterapia (especialmente terapias cognitivo-comportamentais) e, em muitos casos, suporte financeiro e familiar.
O jogo deve ser uma escolha, não uma prisão.
Se você está lutando para sair desse ciclo, saiba que existe tratamento, e você não está sozinho.
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