A busca pelo prazer e a construção da felicidade
- Vitor Santiago Borges
- 31 de mai.
- 7 min de leitura

Buscamos a sensação de conforto a todo momento. Queremos nos sentir bem interna e externamente. Nosso compromisso não é com a dor, mas com o prazer e a felicidade. E o movimento em direção aos estados físicos e mentais de conforto está na base de todas as nossas ações e motivações. E o movimento em direção aos estados físicos e mentais de conforto está na base de todas as nossas ações e motivações. Mas infelizmente não nos sentimos sempre assim. Precisamos lidar, sob determinadas condições, com dores e tristezas que são inevitáveis em nossas experiências. E quando sentimos estas emoções, tentamos escapar delas em razão da dor e do desconforto se oporem ao que queremos e esperamos.
Queremos ser bem-sucedidos e estar sempre de bem com a vida. Quando algo ocorre fora do nosso alcance, seja uma rejeição ou um insucesso, esmorecemos e nos deprimimos. Nossa vida interior está sempre direcionada ao prazer, jamais à dor. É inato. Todos nós nascemos comprometidos com o anseio de sermos amados e bem-sucedidos. Buscamos o bem-estar de nós mesmos em todo e qualquer momento como um instinto tatuado inapagável. Se as coisas não ocorrem conforme nossas expectativas, mudamos de humor. Reconheço essa determinação inevitável que define a vida humana: foge da dor e busca o prazer. Mas ao mesmo tempo a questiono levando em consideração a seguinte indagação: Por que, grande parte das pessoas focam quase que a todo tempo em seu desejo e não em seu crescimento, em sua evolução pessoal? Porque se focassem um pouco mais em seu crescimento, alguns sacrifícios (sacro-ofício) e frustrações não seriam tão sofridos. O fato é que o ser humano tende a ignorar a lei natural de crescimento de sua humanidade, sua humanização, capaz de definir sua real felicidade e finalidade existenciais.
Em 1920, Freud escreveu o texto “Além do Princípio do Prazer”, no qual elaborou uma lei de constância, em que a quantidade de energia mais baixa possível corresponderia a uma diminuição de quantidade de excitação em nosso organismo psicofísico. Por isso escreveu: “A tendência dominante da vida mental e, talvez, da vida nervosa em geral é o esforço para reduzir, para manter constante ou para remover a tensão interna devida aos estímulos”. Quando nos encontramos em um estado de tensão, seja física ou emocional, e dele conseguimos nos liberar, sentimos um prazer de grande efeito. Libertamo-nos da tensão que antes nos atormentava e, enquanto experimentamos esta liberação, um prazer real se manifesta.
Freud parte do princípio da homeostase, do equilíbrio psicológico e físico para definir o bem-estar humano. A partir desse princípio, entende que o ser humano sempre busca retornar a esse estado mental e físico em sua experiência, buscando um perpétuo estado de deleite e alívio, não querendo ser dele retirado. Este é o princípio do prazer, mas, em contrapartida a ele, precisamos lidar com a realidade, que nem sempre, e muitas vezes, não atende a esta expectativa dos nossos instintos. Do estado infantil à idade adulta, precisamos experimentar a dor, a frustração e o que não queremos encarar. É um princípio evolutivo de nossas personalidades que visa nosso desenvolvimento e felicidade mais autênticos, e da qual queremos sempre escapar.
Em nossa experiência emocional, que se torna mais complexa com o passar dos anos e o desenvolvimento de nossa acuidade intelectual, tudo vai se tornando mais sutil. Um sentimento não atendido, uma expectativa recusada, forma em nós aquele estado de tensão que não queremos tolerar. Quando fracassamos em uma intenção ou planejamento, a dor se torna complexa, emocional. Quando somos rejeitados e não acolhidos, a significação dessa experiência se desenvolve e se instala em nós em forma de sofrimento.
O fato é que – e a experiência nos ensina isso – o ser humano é também predestinado à frustração e à dor em razão de sua evolução mais profunda e espiritual. Sua evolução visa não o prazer, mas a felicidade. E, para ser feliz, precisa aprender a sentir, superar e aprender com o momento da dor. Por isso, defino aqui três “escolas” distintas de felicidade que se desenvolveram ao longo da História através de atitudes e compreensões fundamentais. Entretanto, apenas uma se mostrou comprovadamente bem-sucedida e frutuosa.
Primeiro, os bon-vivants, que entendem a vida como usufruto e não como crescimento. Buscam se preencher com o momento presente. Querem gozar de cada momento, sem deixar passar nada! Imóveis, buscam o prazer sempre renovado. O objetivo de vida não é criar e agir, mas desfrutar. Buscam o menor esforço ou apenas o esforço necessário parar encher novamente a taça de vinho. Como palmeiras preguiçosas, estendem-se o máximo possível para recolher os raios do Sol. O homem feliz, para eles, será quem souber saborear ao máximo o momento que tem em mãos.
Segundo, os preguiçosos/pessimistas, que encaram a vida como um problema ou fracasso. Sentem-se tão mal colocados diante da vida que a encaram como um constante escapar visando o próprio bem-estar. Para eles, vale menos ser do que mais ser, e o melhor seria não ser de modo algum. Querem uma vida sem problemas, sem riscos e, por isto, diminuem os contatos e esforços para não se arriscarem. Abaixam suas luzes e se fecham em suas epidermes e casulos, pois o ser feliz será aquele que pensar, sentir e desejar menos. São teimosamente e resolutamente evitativos.
Por fim, os amantes, para os quais viver é ascender e descobrir, pois vale mais ser do que não ser, buscando tornarem-se sempre mais. Para eles, a felicidade e o bem-estar exigem conquista e crescimento. Querem ir além para chegar a si mesmos. A felicidade e o prazer, sob este ponto de vista, não é o bem buscado, mas efeito e recompensa de uma consciência alcançada ou um talento descoberto e realizado. É a consequência do esforço, de uma tensão em direção ao crescimento. Sem buscar diretamente a felicidade, eles buscam a própria consciência. Tomam a posse do seu ser e encaram as próprias sombras querendo ultrapassá-las. Nada realizam, a menos que seja num crescendo.
Felicidade de crescimento é a felicidade para os realizados na Terra, através de conexões fundamentais e vinculações vitais. São indivíduos que amam mais os valores vinculados ao Bem, ao Belo e ao Verdadeiro, do que prazeres passageiros e desejos privados, considerados em si, efêmeros e evanescentes. Sob este prisma, os seres humanos felizes precisam se desenvolver em três sucessivos movimentos:
Cultivo de si mesmo. O ser humano só se torna humano na condição de se cultivar!
Precisa buscar, cada vez mais, unidade em suas ideias, sentimentos e condutas. Ser íntegro. Ter compromisso em encarar e superar seus conteúdos em forma de apegos e dependências. Lidar com medos e paixões para então superá-los. Aprender com suas dores e ir além delas. Ter vida interior em direção a objetos cada vez mais elevados, a metamotivos e metavalores, como salientou o psicólogo humanista Abraham Maslow. É individuar-se segundo um dos maiores psiquiatras do último século e fundador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung.
O ser humano que vai se tornando íntegro e integrado, inteiro, alcançando unidade entre seus valores e ações, perde as influências da massa coletiva e se singulariza, tornando-se um ser humano original e consciente de si. Assumindo a substância de sua vida interior, fecunda, floresce. Vai além das imagens e representações culturais e coletivas. Encontra-se consigo, tornando-se um ente singular em contato íntimo de descoberta. Um ser humano assim é feliz, pois encontrou sua humanidade. Não foge de si para se tornar refém de representações e imagens estéreis. Não se refugia em seus prazeres e comodidades narcisistas e nem se esconde dos desafios que a sua consciência e a própria Vida estabelecem. Como disse certa vez o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, fundador da Logoterapia: “Não se trata do que você espera da Vida, mas do que a Vida espera de você”.
Autonomia e abertura. Por ter vida interior e contato consigo, o indivíduo não se isola, mas também não depende. Sem dependências emocionais, sabe que a felicidade não está no outro, mas nos sentidos e conexões cada vez mais profundos que a Vida desperta e no seu desenvolvimento interior. A ilusão de que outro o fará feliz se dissipa em consequência do seu contato íntimo. Por isso, a partilha é segura e fecunda. Encontra, no outro parceiro e nas demais relações, conexões de troca e não de dependência. Intencionado para dentro, sabe viver para fora. A felicidade não está no outro, mas pode ser aquecida na partilha. Quer os outros como parceiros e companheiros emocionais a partir dos quais aquece a própria seiva da vida interior. Não dependência, mas encontro. Nas relações desenvolve um sofisticado senso de seletividade. Não está aberto a ter intimidade e familiaridade com todos, mas somente com aqueles que vale a pena.
Conexão com a Vida e amplitude. Sendo cada vez mais pessoa e sujeito de si, esforça-se por ampliar a base do seu ser na descoberta do que Viktor Frankl chamou no título do seu livro “A Presença ignorada de Deus”. A última e primordial conexão do indivíduo é com o Sagrado que lhe oferece, quando receptivo e aberto, sua unidade mais profunda e sua amplitude verdadeira.
Em carta ao amigo P.W. Martin, o psiquiatra suíço Carl Jung escreveu: “O maior interesse de meu trabalho não é o tratamento da neurose, mas a abordagem espiritual... que é a verdadeira terapia”. E, em outra carta escrita ao amigo Lucas Menz, afirmou: “Descobri que todos os meus pensamentos circulam ao redor de Deus como os planetas ao redor do Sol, e são irresistivelmente atraídos por Ele. Sinto que seria um gravíssimo pecado opor qualquer resistência a essa força”. E, para o padre Victor White, escreveu: “A divina presença é maior do que qualquer outra coisa. Existe mais de um caminho para a descoberta do genus divinum em nós. Esta é a única coisa que importa. Desejei ter a prova da existência de um Espírito vivo e a consegui. Não me pergunte a que preço”.
Felicidade para além do princípio do prazer, é aquela base estável que não é dada, mas oferecida a todos que se sentem chamados a conquistá-la. Ela é o resultado de nosso crescimento interior, daquela evolução individual que só compete a nós realizarmos. Ela não está isenta de dor, como também demanda coragem. Mais do que coragem, sobriedade e sensibilidade frente às ofertas contínuas da Vida. Começa em nosso olhar e se dilata por todo o nosso ser. É uma lei de evolução e crescimento fundamental. A felicidade é uma escola de seleção em que os selecionados aprenderam a ser verdadeiros e autênticos. Aprenderam a dar as mãos para a Vida aceitando seus desafios, contentamentos e descontentamentos. Ela cresce à medida que o ser humano passa pelas oscilações dos seus momentos visando mais. O além do princípio do prazer é aquele além em que só podemos ser a partir do nosso ser mais íntimo, cujo fundamento verdadeiro é o próprio Ser de todos os seres. Mas, neste processo, não temo afirmar: há dores que me são vitais, como também há prazeres que me são mortais.
Vitor Santiago Borges – Mestre em Psicologia Clínica
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